Criatividade à Prova
Entrevistas – 21/08/2018
Paulo Daniel Gonçalves Gannam (o Paulo Gannam), 36, nasceu e mora em São Lourenço - MG. Formado em comunicação social, habilitação jornalismo, pela Universidade de Taubaté (Unitau), e pós-graduado em dependência química pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos em Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (GREA-HCFMUSP). Mas o que chama a atenção em Gannam são suas invenções.
Ele conta que em 2009 era um fanático consumidor de creme de açaí na tigela. Frequentava diversos estabelecimentos, experimentando e analisando a qualidade das mais diversas receitas e combinações. Percebeu, então, que a maioria tinha baixa qualidade, continha pedrinhas de gelo, era aguada e pouco cremosa. Indignado, começou a preparar esse produto em casa e usava seus familiares de cobaia para julgar os resultados.
Gannam lembra que o dinheiro estava acabando, e optou por cessar tais tentativas. Mas o fato foi que colocar a cabeça para pensar e tentar encontrar uma solução para que a máquina funcionasse direito abriu as portas da criatividade.
- A partir de então, não parei mais de ter ideias. Vinham em pacote, e, no auge, eu tinha de 15 a 20 ideias por dia de soluções para problemas que eu identificava no dia a dia.
Trabalhar com invenções. Essa é a sua fonte de renda?
Por enquanto, a atividade que me gera renda é administração de imóveis. Quando, e se, eu obtiver algum retorno sobre minhas invenções, poderei dedicar mais de meu tempo a esse assunto e desenvolver outras tantas ideias que se encontram na fila e aguardando sua oportunidade. Espero não morrer sem que antes algo animador nessa área ocorra...
Esse processo de criar novos produtos, solicitar a patente, visando fazê-los chegar ao mercado, é demorado? Qual dessas etapas demora mais? A parte criativa? Ou a parte burocrática?
Sim, no Brasil, principalmente, é bastante demorado e caro. Eu diria que a parte criativa e de desenvolvimento do protótipo e do negócio em si conseguem ser menos demoradas do que o processo de patentear o invento. Levei sete anos para ter duas de minhas invenções com patente concedida pelo INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). As demais ainda se encontram tramitando. Além da demora, os valores que são cobrados do inventor para que ele mantenha o seu pedido tramitando ou sua patente, quando concedida, preservada, são absurdos. Mesmo que o inventor não tenha ainda conseguido encontrar um parceiro industrial e comercial para seu projeto, ele é obrigado a pagar anuidades ao INPI, que aumentam progressivamente a cada ano passado após a concessão da patente. O que a lei vem fazendo é tornar a inovação cada vez mais inviável no país. Não seria mais justo cobrar qualquer coisa que fosse desse inventor quando, e se, ele fechasse uma parceria com alguma empresa para fabricação de seu invento? Tudo está organizado para seu projeto fracassar e você desistir de manter sua patente.
Quais as maiores dificuldades que um inventor e empreendedor independente enfrenta no Brasil?
Não existe um programa bem estruturado e atualizado para atender as demandas do inventor, pessoa física. Quando ele tem uma ideia na cabeça, ou uma patente no INPI, precisa acelerar o projeto dele e formatá-lo num nível mais aceitável para ser negociado (vendido ou licenciado) com uma empresa. Ele precisa de plano de negócios, validação do conceito do produto com consumidores, estudos de viabilidade econômico financeira, e outras análises que irão permitir que o empresário invista com maior confiança e menos custos no projeto do inventor. Mas nenhum programa hoje em dia deixa uma pessoa física participar. Estão todos exigindo que o inventor tenha equipe, empresa constituída (que lhe gera mais despesas), qualificações, entre outros requisitos, para ter alguma chance de poder acelerar seu projeto. Está se partindo do princípio de que o inventor tem de fabricar e comercializar o produto dele, como se fosse uma startup. Mas inventor, embora guarde algumas semelhanças com as startups, não pretende virar uma empresa para tocar o negócio, e nem conseguiria! Isto não é competência do inventor, porque o foco dele é criar e desenvolver novos produtos e protegê-los intelectualmente no INPI.
O que poderia ser feito para melhorar esse cenário?
O apoio conferido por universidades, institutos de ciência e tecnologia, e núcleos de inovação não pode ser facultativo, pois quando se coloca no trecho da lei “apoiar na conveniência e oportunidade” da entidade, isto dá muita margem para subjetivismos. Em caso de o inventor já se apresentar com uma patente depositada no INPI e a universidade ou ict desenvolver para ele um protótipo-produto final, fazer estudo de viabilidade comercial, captar investidores e fazer a mediação e acompanhamento da patente, o correto seria a fixação da divisão 70% para o inventor, 30% para a universidade. Hoje, em teoria, ocorre o inverso (na verdade não ocorre nada, pois esse tipo de “apoio”, por pior que seja, nem existe na prática). É necessário ainda isentar inventores independentes de pagar anuidades no INPÌ e demais taxas relativas ao trâmite da patente, do início ao fim, e colocar seus projetos na lista de prioridade de análise para que não sejam obrigados a aguardar por um eterno processo de análise que só faz tornar suas patentes mais obsoletas e pôr investidores em retirada.
Na prática, de que forma startups, administradores, executivos, empreendedores, investidores etc. poderão ajudar você a peneirar suas ideias, desenvolvê-las, patenteá-las e lançá-las no mercado?
Estou em busca de parceiros com apetite pelo risco. Eu já venho me arriscando e investindo há muito tempo sozinho em meus projetos, e tive resultados pífios, porque não se faz nada sozinho, quanto mais no mundo da inovação e dos negócios. Por isso, preciso encontrar o outro lado da moeda que tenha recursos e que acredite em algumas de minhas ideias ou invenções já com patente depositada ou deferida. No tocante às demais ideias, ainda em fase muito preliminar, estou ciente de que isto vai ser muito difícil de acontecer. Pois se levar uma única ideia adiante, até ela chegar às prateleiras, já é muito difícil, imagine várias. Seriam necessárias várias empresas para dar conta do recado, ou uma empresa especializada na criação de inovações voltadas para diversos segmentos. Então, no momento, eu passei a me contentar com a possibilidade de levar uma de minhas invenções ao mercado, e, com o retorno obtido, poder eleger quem sabe mais alguma ideia para submetê-la a testes, validação, plano de negócios e divulgação para o público e para empresas.
Que tipo de apoio você procura para inserir projeto de alteração da lei de propriedade industrial, da lei de inovação e de alteração na CF para melhorar as condições de trabalho e direitos de inventores autônomos, pessoas físicas?
Parte dessas alterações na lei de inovação e de propriedade intelectual mencionei anteriormente. Deve ser elaborado projeto de lei que inclua estas alterações e aperfeiçoamentos no texto legal e constitucional, se necessário, para expandir o leque de destinatários que possam se beneficiar do fomento a projetos inovadores. Inclusive redigi um documento em que detalho tais reivindicações e como elas poderiam ser inseridas na lei. Enderecei a alguns congressistas, mas não percebi receptividade e sensibilidade ao tema.
A que você atribui essa desvalorização do seu trabalho? É uma questão cultural?
Temos uma economia que cresce muito lentamente, um desestímulo e uma burocracia imensos ao empreendedorismo e à inovação. Isto leva o inventor a muito se frustrar e aos empresários não terem nenhum apetite pelo risco, serem muito desconfiados e até mesmo “muquiranas”. Há ainda muitos projetos sendo desenvolvidos por universidades e startups, que costumam ser mais bem estruturados e capazes de despertar mais facilmente o interesse de investidores cujo perfil é voltado para investir em negócios-empresas e não em produtos criados por inventores independentes. E, sim, do ponto de vista cultural, ainda existe uma resistência a se inovar dentro e fora das empresas e baixo conhecimento técnico sobre como alavancar uma ideia e convertê-la em negócio lucrativo.
Em países desenvolvidos, a realidade dos inventores é muito diferente da nossa?
Em países desenvolvidos há uma maior valorização do trabalho de pessoas que estão tentando inovar e encontrar o melhor caminho para atingir o objetivo de melhorar coisas já existentes ou criar coisas ainda não conhecidas pelos cientistas e técnicos no assunto. Não sei dizer se há programas voltados especificamente para inventores independentes, pessoas físicas, mas pelo fato de as economias serem mais maduras e a mentalidade das empresas idem, há maiores chances de o inventor encontrar um parceiro para seu projeto, havendo maior receptividade e interesse de departamentos de pesquisa e desenvolvimento privados. No Brasil, boa parte desses departamentos estão à míngua e grande porção dos produtos concebidos por grandes empresas partem de suas matrizes e são replicados, com alguma adaptação, ao mercado brasileiro.
> Contatos profissionais do Paulo Gannam - Worpress, Facebook, Linkedin, Twitter, YouTube, PlusGoogle, Instagram e e-mail: pgannam@yahoo.com.br